Meu filho nasceu com um problema, a Gastrosquise

Tentei participar de uma pesquisa no Facebook agora de um grupo de mães bem especial pra mim e não consegui. O grupo é o Gastroschisis Support Group, um grupo de apoio às mães e familiares de bebês que nasceram com gastrosquise ou sobreviventes da doença. Não consegui participar da pesquisa porque era obrigatório marcar alguma "complicação" e como não tivemos nenhuma não posso ser selecionada. Naquela lista são 35 complicações. Algumas bem assustadoras, como transplante multivisceral e transplante de intestino - os casos dos bebês Sofia e Pedrinho que mobilizaram a internet nos últimos dois anos e que infelizmente carregam um fantasma junto com eles, a infecção hospitalar.

Meu filho nasceu com esse problema, a Gastrosquise. Um buraquinho na barriga, bem onde passa o cordão umbilical que deixa os órgãos da região expostos. No caso dele só o intestino estava para fora da barriga. É bem bizarro, aquele tipo de coisa que você nunca imaginou que poderia existir. A gente descobriu com 11 semanas, no 1º morfológico. Aquele exame que você faz morrendo de medo de dar alguma coisa mas que na verdade você tem certeza que não vai dar nada porque nunca deu nada pra ninguém, não vai ser com você que vai acontecer né? Pois é...

Foi horrível. Eu, meu marido e o médico na sala. Deve ser f* para um médico dar qualquer notícia diferente de "tudo perfeito" né? Mas, segundo ele, se fosse pra escolher uma malformação seria gastrosquise. Isso com certeza dá uma melhorada pra digerir a notícia, mas o que eu não sabia naquela hora era que eu só saberia se eu seria essa garota sortuda e abençoada que não pôde participar da pesquisa, depois dele nascer, ser operado, se recuperado e ido pra casa. Mais 7 meses, 29 semanas só de gestação pensando nisso 24/7 sem ter ideia do que iria acontecer. No melhor cenário ele iria nascer um pouco antes, 36/37 semanas porque é o procedimento, por cesariana, e iria direto para a cirurgia onde tentariam colocar o intestino pra dentro. Depois ficaria no mínimo 60 dias na UTI Neo, onde os primeiros dias pós cirurgia seriam de muita expectativa por um cocô - isso é a prova de que o intestino funciona. Cocô feito ele poderia começar a receber leite - até então a alimentação seria 100% pela veia. Depois aguardar pela recuperação e finalmente casa. Para isso ele precisava nascer com o pulmão 100% formado para não correr o risco de precisar de ajuda para respirar e que o intestino estivesse saudável. E a única coisa que eu podia fazer para contribuir pra isso era beber MUITA água, tipo 4L por dia. Grávida já faz um número de xixis bizarro por dia, pensa eu?

Os primeiros dois meses eu me alimentei de gastrosquise. Passava 8/10 horas por dia no computador buscando todas as informações possíveis sobre esse problema, lendo artigos científicos gigantes e complexos, estudos e pesquisas, entrando em contato com médicos e hospitais do Brasil e do mundo e conversando com muitas e muitas mães por aqui e pelo mundo. Vi que a realidade da saúde mundial é muito dura e não está tão longe quanto parece e que o dinheiro e a fé são determinantes na hora de definir em que lado da estatística você vai cair. Existe um paradoxo complexo entre fé e dinheiro. É mais fácil contar com a fé quando o dinheiro arruma todo o resto, mas tem horas que só a fé pode dar conta, louco né? Aprendi muita coisa sobre estatísticas, opiniões e frases feitas:

  • Médicos mais velhos são mais experientes, mas são menos humanizados e menos conscientes. Eles tem outra maneira de encarar a vida e os problemas, são mais práticos e acho que um pouco cansados.
  • Não adianta nada perguntar a opinião de outra pessoa do tipo "o que você faria no meu lugar?". Seja ela médica, amiga, parente ou sua gêmea. Opiniões são formadas pelo histórico de vida de cada um, experiências e referências pessoais, personalidade, situação social, psicológica e financeira. O que serve pra você naquele momento pode não servir pra quem você ta perguntando.
  • As estatísticas servem para ser interpretadas. Você tem que questionar todos os fatores que envolvem uma pesquisa, os números servem pra te guiar, não são uma resposta exata.
  • A legalização do aborto é uma das questões sociais mais urgentes. É simplesmente inaceitável que o Estado tenha poder de decisão sobre o rumo de uma família e da vida de uma pessoa.
  • Não queira convencer os outros sobre a sua opinião, eles não vão entender, é impossível. Para isso eles precisam morrer e nascer de novo na sua pele e viver a sua vida para entender o seu ponto de vista, desista antes que fique esgotada.
  • Coragem e humildade são super importantes nessas horas, aumente as doses das duas, todos os dias. A gente nunca sabe quando pode precisar.
  • As pessoas não falam sobre esse tipo de coisa, você só fica sabendo que um monte de gente que você conhecia também enfrentou dificuldades depois. Isso deixa a gente se sentindo muito sozinha e desamparada.
  • Conte a sua história. As pessoas vão ter mil opiniões e palpites. Dane-se todo mundo. No meio do caminho você vai encontrar pessoas incríveis que vão te surpreender. O saldo é positivo.

Aqui no Brasil tem pouca informação sobre essa doença. Algum ou outro artigo e alguns estudos estatísticos. Todos baseados nos números do HC, o Hospital das Clínicas de São Paulo, que é um excelente hospital, mas como é público não conta com os melhores equipamentos, equipe de enfermagem, etc. E isso faz toda diferença na recuperação de um bebê em uma UTI Neonatal. Existe um grupo no Facebook de mães brasileiras, mas o grupo não separa a gastrosquise da onfalocele, uma outra doença semelhante mas que é mais complicada e isso atrapalha muito quem tenta acompanhar. As vezes eu lia um post duro e triste de uma mãe e rezava pra ser sobre onfalocele, quando eu descobria se era ficava aliviada e ao mesmo tempo me sentindo um ser humano horrível por desejar que a doença do filho daquela mãe fosse pior do que a do meu filho, porque não queria passar por aquilo.

Encontrei apoio maior nos grupos americanos, lá existe até uma ong que faz um trabalho incrível de pesquisa e apoio fundada por uma mãe que infelizmente perdeu seu bebê por complicações da gastrosquise, a Avery's Angel. As mães são super ativas e trocamos muita informação até hoje.

Durante toda a gravidez meu lema era "estar preparada para o pior, mas esperar pelo melhor". Eu tinha que ser muito pé no chão pra aguentar a realidade, mas alguma coisa, uma fé só minha, que vem de dentro e não de religião ou fatores externos me dava muita segurança. Eu sabia que ia ficar tudo bem, mas não tinha coragem de falar em voz alta. Eu não tinha medo da UTI, eu não tinha medo da cirurgia e não parava pra pensar no tempo que ficaria longe dele. Eu tinha muito medo de perder meu filho e pavor das complicações. Porque essas duas coisas são tão fora da nossa realidade que o medo do desconhecido te apavora. Nenhuma mãe que perdeu seu filho para essa doença ficava postando no Face sobre como é o dia a dia dela e etc, simplesmente porque não cabe no contexto, é duro demais. E todas as mães que enfrentam complicações são mais duras, tipo você não mexe com elas porque elas são mais fortes do que você e isso te inibe.

Eu não curti minha gravidez, era como se eu não me permitisse sabe? Eu precisava "ficar de luto" pelo meu filho pra poder ser forte. Arrumei o quartinho dele lá pelo 7º mês, viajei com meu marido e comprei algumas coisas, mas era duro demais comprar coisas sem saber se eu iria usar. Lembro de mim na Carter's completamente perdida sem saber o que comprar, porque supostamente os bebês de UTI não usam roupinha, ficam de fralda. Ele só iria usar roupa depois de uns 30 dias e mesmo assim a roupa tinha que ter botão na frente para os fios poderem passar. Daí eu não sabia se comprava roupa de recém-nascido ou de 0-3 meses, porque normalmente bebês com gastrosquise são menores e mais magrinhos, mas o meu não parecia estar fora da curva, ele era um bebê normal. Bem complexo...

A pior semana foi quando eu descobri que caso ele precisasse usar um silo, ele não teria acesso aqui no Brasil, teria que usar algo improvisado o que obviamente altera a estatística (viu?). O silo é um saquinho de silicone feito especialmente para os casos de gastrosquise que não podem ser operados logo que os bebês nascem. Esse saquinho protege os órgãos expostos até eles serem colocados para dentro, e só saberíamos se ele iria precisar do saquinho depois dele nascer. Foram 10 dias até descobrir o fabricante do silo nos Estados Unidos e conseguir algum pediatra infantil americano com licença para comprar os saquinhos pra mim e alguém para trazê-los a tempo dele nascer. Deu certo, mas nunca vou esquecer o quanto doía pesquisar saquinhos de silicone para colocar intestinos de bebezinhos ao invés de pesquisar por roupinhas de enxoval.

Com 35 semanas e 6 dias o Benjamin nasceu com 2.7kg, tava ótimo para um bebê de 8 meses. Minha bolsa estourou de madrugada e duas horas depois ele já estava em cirurgia. Pulmão perfeito, não precisou de ajuda pra nada e o intestino estava saudável. Foi tudo incrível, ele era forte e tinha a cara do bebê mais saudável do mundo. Parou de tomar remédio pra dor antes que eu. Ficou 25 dias na UTI, menos da metade do esperado. Não teve nenhum complicação e hoje é um baby lindo (ele é gato mesmo) e 100% saudável de 1 ano e 2 meses. Acho que esses 25 dias de UTI merecem um post só deles, fica pra depois. Ele não precisou usar os saquinhos, doamos para o HC e soube que um já foi usado.


Faz muito tempo que ensaio pra contar essa parte da nossa história. Acho muito importante compartilhar e dividir tudo isso e tentar ajudar de alguma forma quem está passando por uma barra como essa. Se alguém precisar de qualquer informação sobre gastrosquise, médicos, hospitais, uti neo e etc conte comigo!

Rosa Zaborowsky

Editor & Founder of thelolla.com and Mom of 3

http://www.thelolla.com
Previous
Previous

Decor inspiration: a casa do filme THE INTERN

Next
Next

Stuff crush: acessórios personalizados