Reflexões Sobre a Busca da Vertigem nos Relacionamentos Duradouros e na Vida

  Cena do filme “Amor Inesperado” com Ricardo Darín

*** Spoiler alert – não leia se você não assistiu (e pretende assistir) “Um Amor Inesperado” pois o texto cita algumas cenas do filme.

Esses dias assisti a um filme lindo e divertido chamado “Um Amor Inesperado”, do diretor argentino Juan Vera (o título original, “O Amor Menos Pensado”, parece captar melhor o enredo do filme). O filme começa com o protagonista, interpretado por Ricardo Darín, recitando um trecho maravilhoso de Moby Dick (e pensar que eu tinha preconceito com obras sobre baleias ou tubarões...) que fala sobre a vontade incontrolável do narrador de abandonar terra firme e lançar-se numa jornada para conhecer a parte líquida do mundo: “É minha maneira de dissipar a melancolia e regular a circulação”.   Apesar de nunca ter lido Moby Dick, o trecho me pareceu bastante familiar.  Não sei dizer se se trata de um sentimento universal, mas concordo que muitos carregam dentro de si uma espécie de Amyr Klink simbólico. 


O impulso irresistível que de vez em quando se apresenta para lançar-se a um novo projeto, a um novo país, a uma nova paixão, a uma nova forma de vida – lançar-se a algo que nos assuste, nos inspire e que faça o sangue circular com mais intensidade.  Durante o filme, o protagonista, um professor de literatura, mostra certa dificuldade em explicar para os outros – e principalmente para si próprio - o motivo que o levou, junto com a esposa (interpretada por Mercedes Morán), a se separarem depois de 25 anos de um casamento feliz, mesmo ainda se amando e se respeitando. Em um diálogo brilhante com o pai já idoso, ele fala de uma necessidade de “recuperar a vertigem”. Não sei se poderia haver frase mais precisa para descrever uma sensação tão difusa.  Já em outra cena do filme, o protagonista fala por Skype com o filho, que saiu de casa para estudar em Madrid e agora está em Ho Chi Minh, no Vietnam. Novamente ao ser indagado sobre a separação, fala de uma ânsia de conhecer mais sobre si mesmo, e faz analogia com a jornada do filho mundo afora (e mundo adentro), como se seus ímpetos viessem de lugares semelhantes. 


Acredito que esse desejo de recuperar a vertigem - uma certa tontura diante do desconhecido - não é monopólio das pessoas de uma determinada faixa etária ou estado civil.  Acho que faz parte de um pulsar inerente ao ser-humano, e talvez inerente à própria natureza e ao próprio universo. Zarpar para depois voltar a atracar em porto seguro. Expandir-se, retrair-se: a maré de dentro aumentando e diminuindo em um sutil e eterno ciclo.  Mas se há uma força gravitacional agindo sobre nossa alma, não é sempre que deveríamos responder a ela, atravessando um oceano literal ou metafórico.  Acredito que é possível viver de forma mais vertiginosa, mesmo navegando por territórios conhecidos: há sempre alguma ilha escondida, um recôndito inexplorado, uma palavra que nunca foi dita, um ritmo novo para aprender, um novo olhar para algo com o qual pensávamos já estar acostumados.  Para quem olha de fora, o movimento pode parecer mínimo, mas, do lado de dentro, a travessia é tamanha que já nem se enxerga mais a outra margem.






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