Sobre o caminho de realização da própria beleza

Este ano foi lançado o novo livro do meu professor e mestre, Dante Gallian, intitulado “É Próprio do Humano - uma odisseia do autoconhecimento e da autorrealização em 12 lições”. No livro, Dante extrai da Odisseia de Homero e de outros clássicos da literatura, 12 lições que nos ensinam o que fazer e o que buscar para que tenhamos uma vida mais plena, feliz e emocionalmente saudável. Não preciso nem detalhar quanto o mundo está precisando desse conhecimento. Além de recomendar o livro a qualquer pessoa que queira entender como a vida moderna promove o adoecimento da alma - não há jornal nem veículo de comunicação que não traga matérias diárias sobre a explosão de casos de ansiedade, burnout, depressão, suicídios, etc… - e como podemos encontrar na literatura uma tábua de salvação, gostaria de compartilhar uma passagem que mexeu muito comigo.

No capítulo XI que discorre sobre o fato de ser próprio do humano saber conversar, o autor fala sobre a necessidade básica que temos de contar histórias -  a dos outros e as nossas. Não há como negar: seres humanos são narradores natos. Dante nos explica: “A palavra (logos em grego) é justamente aquilo que diferencia o homem dos outros animais e o que o aproxima dos deuses. A palavra é não apenas instrumento de pensamento e de comunicação (aquilo que faz de nós seres políticos por excelência, continuando o pensamento de Aristóteles) como é também matéria de expressão de sentimentos e criação”. Ou seja, somos humanos porque nos comunicamos por meio da palavra, porque somos dotados deste instrumento que, quando agrupado de maneira correta, é capaz de elevar a alma e transformar o mundo. (“Mas ué, Maria Cláudia, o tema deste mês do Lolla não é 'Life path'? Porque você está falando tanto sobre palavras, sobre histórias? O que isso tem a ver com caminhos de vida? Calma que eu chego lá.") Mais adiante, no mesmo capítulo, fui arrebatada por essa reflexão: “Na concepção homérica, uma vida que vale a pena ser vivida (aquela que seria próprio do humano) é aquela que vale a pena ser contada; aquela cuja beleza, realizada em gesto, pode e deve ser traduzida na beleza das palavras”. Essa passagem estremeceu as minhas bases e me conduziu por um looping de questões intermináveis: O que seria uma vida que vale a pena não só ser vivida, mas também ser contada? Viver já me parece super “high demanding”, ainda tenho que me preocupar em viver de forma a deixar uma história? Será que a minha vida é uma vida que vale a pena ser contada? Que história de vida eu vou deixar para os meus filhos e meus netos?

Pois bem, depois de algum tempo em paranóia, acabei encontrando no próprio livro a resposta que, como toda boa resposta, é muito mais simples e acessível do que a nossa ansiedade nos faz acreditar. Segundo o autor, uma vida que vale a pena ser contada, é uma vida que consegue cumprir a sua “kalokagathia”. (“Ah pronto! Falou que a resposta era simples e agora vem usar termos gregos? Que loucura é essa?”) Explico: “kalokagathia" é o termo grego que significa a realização da sua própria beleza. Se existe um conceito mais belo do que este, eu desconheço. Portanto, segundo Dante, uma vida que não simplesmente vale a pena ser vivida mas, principalmente, vale a pena ser contada, é uma vida cujo indivíduo viveu a sua própria beleza, a partir do autoconhecimento encontrou o seu caminho e trabalhou incessantemente para sua autorrealização, agiu em cada momento de forma ideal, plena e mais humana possível. Interessante, não? Ou seja, não são apenas as vidas de extraordinários e heróicos feitos que merecem ser contadas. Mas também aquelas que tratam das pequenezas do viver, do íntimo, do cotidiano, do desimportante. Do quanto, no contexto estreito de uma existência comum, muito se realiza quando se realiza a sua própria beleza. Se não fosse assim, a grande maioria das obras de literatura poderiam ser descartadas. Leríamos com interesse Homero, mas desdenharíamos de Machado de Assis. Louvaríamos Mary Shelley e legaríamos Jane Austen ao ostracismo.

E refletindo sobre os caminhos tortuosos que me trouxeram até aqui (para saber mais leia meu texto sobre Alice), não tenho como esconder que ando a escrever os melhores capítulos de uma história que, mesmo que não relate as façanhas “do homem astuto que tanto vagueou, depois que de Tróia destruiu a cidadela sagrada” - trecho de Odisseia, de Homero. Vai contar a vida de alguém que não desistiu, nem duvidou, em momento nenhum, da importância de realizar a sua própria beleza.

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