Sobre Second Chances: O que buscamos, o que encontramos e algumas lições aprendidas.

Diversas vezes quando o Bernardo e eu estávamos em casa, tomando uma taça de vinho e conversando sobre a vida, ele me lembrou de uma frase que alguém muito sábio certa vez lhe disse: “Nós somos a combinação do que nós buscamos e do que nós encontramos”. Parece uma reflexão bastante simples mas é, na verdade, uma constatação profunda. Esse pensamento sempre fez muito sentido para mim, pois nunca me identifiquei nem totalmente com a visão fatalista de que o futuro a Deus pertence, nem com a idéia de que somos senhores absolutos do nosso destino. Me parece bastante acurado dizer que nossa vida é a combinação dessas duas coisas: vontade (o que buscamos) e sorte (o que achamos).

Em se tratando de “Segundas Chances” esta constatação me parece ainda mais evidente. Com exceção de casos definitivos, como a morte, situações em que temos uma segunda chance geralmente envolvem ambos: um esforço pessoal e uma oportunidade trazida pelo destino - tudo isso aliado a um conhecimento prévio de que a alternativa adotada na primeira vez não foi boa. Não consigo enxergar as “Segundas Chances” apenas como graças divinas que recaem sobre nós depois de termos errado da primeira vez. Citando o gigante Guimarães Rosa: "Sorte é isto. Merecer e ter”. Ou seja, não é só ter. Tem que fazer por merecer (uma segunda, terceira, quarta chance). 

A literatura esta recheada de exemplos que tratam da possibilidade de uma segunda oportunidade - em especial no âmbito do amor. De "O Great Gatsby" de Fitzgerald a "Um dia" de David Nicholls. Mas para mim, o livro que melhor ilustra a questão da “Segunda Chance” é  "Persuasão".

"Persuasão" é o um dos meus livros preferidos da autora-musa Jane Austen (perdendo apenas para Orgulho e Preconceito) e a obra que contem uma das cartas de amor mais belas da literatura - não passe por essa vida sem lê-la. Foi o último romance que a autora completou antes de morrer e foi publicado postumamente com Northanger Abbey no final 1817. O enredo, apesar de suas particularidades, é bastante austeniano e tem a tal “Segunda Chance” como tema principal: a heroína, Anne Elliot é persuadida por uma amiga a terminar o noivado com um jovem (e desprovido de posses) oficial da marinha, chamado Frederick Wentworth. O compromisso é desfeito, mas o casal continua se amando. Sete anos depois, quando a protagonista já está com 27 anos, os dois se reencontram. Anne, porém, está numa situação mais desfavorável, tanto socialmente - pois ainda está solteira e sem perspectiva de casar, quanto economicamente - pois seu pai, um homem vaidoso e gastador, está em vias de dilapidar o que resta do seu patrimônio. O (agora) capitão Wentworth se tornou um homem rico e respeitado, mas ainda carrega ressentimentos pela dor que Anne lhe infligiu. Anne é, então, forçada a refletir sobre o quanto foi imatura, o quanto se deixou influenciar e, acima de tudo, sobre o que sua vida poderia ter sido e não foi. Classic Austen!

Jane Austen escreveu Persuasão muito próximo do fim de sua vida, portanto, diz-se que é sua obra mais madura. Não se trata apenas da história de uma jovem cuja vida gira em torno do casamento, mas sim a de uma mulher adulta que acredita que perdeu sua grande chance de amar e a esperança que ela nutre de reparar seus erros. Ou seja, Jane Austen, do alto de sua genialidade, também sabia que as segundas chances raramente acontecem de forma fortuita. Elas dependem de um crescimento pessoal, um amadurecimento moral e de lições aprendidas. Na maioria das vezes, segundas chances nada mais são do que uma nova oportunidade de escolher melhor, com mais consciência e conhecimento de causa, pois como muito bem afirma Maya Angelou na quote que norteou o tema desse mês no Lolla: "I did then what I knew how to do. Now that I know better, I do better”.

P.S: Poucas coisas, ao meu ver, não merecem uma segunda chance. Uma delas é a adaptação da Netflix para a TV do livro Persuasão. Me junto ao coro daqueles que tem certeza que a pobre Jane se revirou no túmulo quando do lançamento deste, tamanha a incoerência e distanciamento da obra original. Sem entrar em maiores detalhes, a protagonista interpretada por Dakota Johnson não poderia ser mais infiel à Anne Elliot. Para quem sabe o cuidado que Jane Austen tinha ao construir os seus personagens, só pode ficar, no mínimo, decepcionado com uma versão que subverte tanto a história. Na minha humilde opinião, perderam uma grande chance de fazer um belíssimo filme dessa obra que figura entre os grandes clássicos da literatura.

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