Interview: Rita Mattar, aficionada por livros e Editora do selo Três Estrelas

  Créditos: Divulgação

por Kanucha Barbosa

Uma conversa sobre livros e afins com Rita Mattar, editora responsável pelo selo Três Estrelas 

Kanucha Barbosa, colaboradora do Lolla e criadora do @projetosofia, focado em literatura, entrou no universo da Rita Mattar, que, apesar de formada em direito, trabalha no mercado literário desde sempre  

Quantos amigos do ramo da literatura você tem? Conhece alguém que já publicou ou editou um livro? Eu, que sou jornalista e atuo no mercado da comunicação, tenho pouquíssimos amigos que “trabalham com livros”. E, geralmente, quando aparece alguém, esse não é o emprego principal da pessoa. 

Dia desses, depois de ter feito um post para o meu Insta @projetosofia, uma amiga indicou a irmã dela, a Rita Mattar, que é editora responsável do selo Três Estrelas. Achei tão interessante conhecer alguém que vive disso. Então, resolvi bater um papo com ela para o Lolla, tanto para entender mais sobre o mercado editorial brasileiro quanto para saber se quem trabalha cercado por tanta literatura tem aqueles mesmos problemas que a gente tem: conseguir ler tudo o que gostaria com tão pouco tempo livre. 

A editora Três Estrelas foi criada há sete anos pelo Otávio Frias Filho, que esteve à frente da Folha de S. Paulo por mais de três décadas. A Rita, paulistana de 31 anos, assumiu como editora responsável do selo há seis meses. “A ideia sempre foi publicar livros que enriqueçam o horizonte cultural dos leitores, que sejam agradáveis de ler e possam ser úteis à sua vida pessoal, acadêmica e profissional. Todos os nossos títulos são de não ficção, mas a gama de áreas dentro desse universo é enorme: temos livros de história, jornalismo, filosofia, ciência, psicanálise, teoria literária, política, biografias, entre outras. Além disso, publicamos autores nacionais e estrangeiros, contemporâneos e clássicos. Contardo Calligaris, João Pereira Coutinho, P.D. James, Vladimir Nabokov, Lucien Febvre e Anne Applebaum são alguns nomes do nosso catálogo”. 

Ao papo:

Você sempre trabalhou na área literária? 

Eu me formei em direito, mas mesmo antes de terminar a graduação, já estagiava na Companhia das Letras, onde trabalhei por sete anos. Sempre gostei muito de ler e tinha um palpite de que queria trabalhar nessa área, mas só tive certeza quando comecei a estagiar numa editora. Depois de formada, fiz uma pós-graduação em psicanálise e acabei de terminar um mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada.

Como enxerga o mercado literário no Brasil hoje em dia?

O mercado editorial está vivendo uma crise sem precedentes. É um cenário completamente diferente daquele que eu vivi quando ingressei nele, em 2011. Naquela época, a economia do Brasil ia bem e o mercado estava em expansão. As redes de livrarias abriam novas lojas pelo país inteiro e o governo fazia grandes compras por meio dos planos governamentais, que alimentam escolas e bibliotecas públicas. As editoras aproveitaram esse momento para criar novos selos e passaram a atingir uma gama de leitores cada vez maior. Foi um momento extremamente interessante, em que todos os tipos de livros tinham seu espaço. Tudo isso mudou com a crise econômica que começou em 2013 e só se agravou desde então. Hoje estamos vendo grandes redes como a Cultura entrando em recuperação judicial, e outras como a Saraiva atrasando pagamentos, o que compromete muito a sobrevivência das editoras, sobretudo as menores. Além disso, todos os grandes programas de compra do governo estão congelados. O resultado disso é um temor (justificado) das grandes editoras em apostar em título com potencial de vendas menos garantido e uma diminuição da variedade de livros no mercado. Aqueles mais literários ou experimentais acabam sendo diretamente atingidos, o que é uma pena.

Você costuma pesquisar sobre o mercado literário de outros países? 

Editores que publicam títulos estrangeiros estão sempre de olho nos lançamentos de outros países para decidir o que publicar por aqui. As grandes editoras têm até scouts, isso é, olheiros cujo trabalho é justamente mantê-las a par de todos os projetos do mercado, mesmo antes de serem publicados. Estados Unidos e Inglaterra acabam sendo centrais nesses casos, pois a língua inglesa ainda é majoritária entre as publicações estrangeiras no Brasil. Além disso, os grandes best-sellers costumam sair desses países. Mas nossa cultura literária também é muito próxima da França e dos países de língua espanhola, sobretudo os vizinhos, como Argentina. 

Qual é a diferença entre estes mercados mais aquecidos e o mercado brasileiro?

Mercados mais aquecidos, como o francês ou o alemão, têm número de venda de dar inveja a editores brasileiros. Isso permite às editoras ousar mais na escolha dos títulos, garantindo que grande parte da literatura mundial (ou pelo menos ocidental) possa ser encontrada traduzida nesses países. Aqui no Brasil, nós infelizmente somos obrigados a deixar passar muitos lançamentos estrangeiros bons porque sabemos do baixo potencial comercial desses livros. Quem lê outras línguas ainda pode comprar uma edição estrangeira (que provavelmente vai custar caro), mas quem só lê português perde a chance de conhecer o livro, o que é lamentável... Além disso, escritores de países com altos índices de leitura em geral conseguem contratos melhores para seus livros e podem se dedicar mais à escrita do que no Brasil, onde eles provavelmente precisam ter um segundo emprego para se manter.

Onde você compra seus livros?

Procuro comprar direto nas livrarias, porque é um programa que sempre gostei de fazer. Gosto muito de uma livraria independente que abriu perto da minha casa chamada Tapera Taperá, na Galeria Metrópole, no centro. Sempre que posso, vou a eventos organizados por eles e acabo comprando muita coisa lá. Acredito muito no papel das livrarias independentes na organização de comunidades de bairro no futuro. É o que vemos acontecendo nos Estados Unidos: as grandes redes estão perdendo espaço, enquanto as pequenas estão florescendo como nunca. Talvez alguma coisa parecida já esteja se desenhando em São Paulo, mas é cedo para falar disso em escala nacional. Mas, como eu também sou adepta do formato digital, e sobretudo do audiolivro, acabo comprando bastante coisa pela Amazon. E recentemente assinei também a TAG, um clube de assinaturas que entrega um livro surpresa todos os meses. É uma experiência bem legal, recomendo. Ou seja, no fim das contas, compro meus livros de todas as maneiras.

Como faz para se dedicar à leitura? Você sofre com as distrações do mundo moderno (redes sociais, séries, rotina corrida) e acaba lendo menos do que gostaria?  

O tempo que as pessoas reservavam para a leitura está cada vez mais disputado por séries, redes sociais, etc. A mesma coisa acontece comigo, sem dúvida. Para tentar driblar as distrações, eu sempre carrego um livro na bolsa, e se tenho um minuto, na fila do banco, por exemplo, uso esse tempo para ler. Além disso, tenho tentado usar a tecnologia a favor da leitura: ouço muita coisa em audiolivro, o que me permite “ler” em situações novas, como a caminho do trabalho, lavando louça ou fazendo exercício físico. São atividades diferentes, e eu acabo escolhendo tipos de livros diferentes para cada formato, mas é uma maneira de compensar a falta de tempo.

Qual seria a sua dica para alguém que quer ler mais?

Encontrar um livro ou gênero que o/a agrade é um passo importante. Existe todo tipo de livro no mercado e não adianta nada se forçar a ler um determinado gênero só porque a pessoa acha que aquele é o tipo de livro que merece ser lido. Experimentar coisas novas é sempre legal, mas não existe a obrigação de gostar daquilo que a crítica elogia. Outra coisa que pode ajudar é entrar para um clube de leitura. Hoje em dia existem vários, para todos os gêneros, e é uma forma de compartilhar a experiência e de se motivar a terminar a leitura para dividir as impressões com o grupo.

 Qual é a importância da leitura?

Toda. Acho que poucas coisas permitem movimentações tão grandes na vida de uma pessoa (interna e externamente) quanto a leitura.

Um livro preferido?

Não tenho um livro ou autor favorito, mas ando animada com a Virginie Despentes, uma escritora francesa que só teve um livro lançado no Brasil por enquanto: “Teoria King Kong”, publicado pela editora N-1. Ano que vem, a Companhia das Letras vai publicar a trilogia “Vernon Subutex”, que eu adoro.

  Créditos: Kanucha Barbosa

Um livro que leu recentemente e indicaria?

Li recentemente “Sonhos no Terceiro Reich”, da jornalista alemã Charlotte Beradt, que acabou sendo um dos meus livros favoritos do nosso catálogo. Durante os anos de Hitler no poder, a autora compilou em segredo sonhos de pessoas ao seu redor e os reuniu num livro. O resultado é assustador: mostra a extensão do totalitarismo na vida das pessoas.


P.s.: Sabia que o Lolla e o Projeto Sofia têm um clube de leitura? Atualmente, estamos lendo “Americanah”, da escritora Chimamanda Ngozi Adichie. Se liga nas nossas redes @thelollasite, @projetosofia e na #clubedolivrolollaesofia para saber mais sobre o projeto!

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